Precatório: sistematização e algumas questões polêmicas e pacificadas

Precatório: sistematização e algumas questões polêmicas e pacificadas

Precatórios são um daqueles termos próprios do tecnicismo jurídico que passaram a ser usados convencionalmente. Representam uma requisição de pagamento emitida em condenações contra a Fazenda Pública. Asseguram que as entidades públicas possam programar o seu orçamento para pagamento daquele débito e simultaneamente garantem ao credor que o pagamento seguirá uma ordem pré-estabelecida de pagamento. Desse modo, o precatório apresentado até 1º de julho de um ano impõe ao devedor incluir a previsão para pagamento da dívida em seu orçamento subsequente, e, quando apresentados após 1º de julho, o precatório será incluído conjuntamente com as requisições emitidas até 1º de julho do ano subsequente e assim sucessivamente. Em caso de não alocação dos valores orçamentários necessários à satisfação do débito, é possível o sequestro da quantia respectiva. No regime conferido a essas requisições de pagamento, as quais devem ocorrer em ordem cronológica de apresentação, confere-se ainda um tratamento próprio aos pagamentos definidos em lei como de pequeno valor (as chamadas requisições de pequeno valor – RPV), e se assegura preferência aos débitos de natureza alimentícia e, dentre estes, até certo valor, àqueles cujos titulares tenham a partir de 60 (sessenta) anos de idade, sejam portadores de doença grave, ou pessoas com deficiência.

Em tintas rápidas, são estes objetivos que norteiam os precatórios e sua sistemática constitucionalmente estabelecida. Como é igualmente de conhecimento convencional, a falta de recursos financeiros dos entes públicos gerou demora no pagamento dos precatórios e consequentemente um tratamento específico e provisório para pagamento previsto em disposição constitucional transitória (art. 78, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias). Uma das principais soluções para o enfrentamento da demora no pagamento dos precatórios foi autorizar expressamente ao credor (é direito do credor) a cessão, total ou parcial, dos seus créditos em precatórios para terceiros. Nesse caso, o ente público devedor somente será comunicado do ato, sendo que a cessão independe de sua concordância. A via dolorosa enfrentada pelo credor, no entanto, não se encerra com a cessão do precatório e recebimento do preço ajustado por esta cessão. É que a Receita Federal (Solução de Consulta 153/14) entende que incide imposto de renda (IR) sobre o ganho de capital (diferença entre o valor de alienação e o custo de aquisição) e que o referido custo de aquisição do titular do precatório equivale a zero, porque não teria havido valor pago pelo direito ao crédito. Afortunadamente, o STJ tem entendimento robusto no sentido de que haverá incidência do ganho de capital pela cessão somente se o cedente auferir ganhos, quando da alienação do precatório. Sendo sabido que essas operações se dão sempre com deságio, não há, pois, o que ser tributado em relação ao preço recebido pela cessão do crédito (STJ, 2ª Turma, AgIn no REsp 1768681/RJ, Rel. Min. Mauro Campbell, j. 4.12.18). Evidentemente, o preço da cessão do direito de crédito e o pagamento do precatório constituem fatos geradores de IR distintos e o cedente responderá, conforme o caso, normalmente pelo pagamento do IR, quando do efetivo pagamento do precatório.

Outro importante instrumento jurídico para solução da demora no pagamento do precatório se faz por meio da compensação tributária. É meio de extinção do crédito tributário pelo qual se faz um encontro de contas entre o devedor do precatório (ente público), por sua vez também credor de tributos do titular do precatório, seja o originário, ou o cessionário, que passou a titularizar o crédito perante o Poder Público. Uma vez prevista em lei específica do ente público (Município, Estado-membro ou União Federal), e satisfeitos os seus requisitos, a compensação tributária é direito subjetivo do contribuinte e atividade a que o administrador se vincula, não lhe sobrando qualquer campo de discricionariedade para recusar a compensação. O STJ ostenta entendimento firmado, já antigo, tomado em sede de recurso repetitivo, pela qual a compensação tributária adquire natureza de direito subjetivo do contribuinte, nos termos da lei específica, editada pelo ente competente (STJ, 1ª Seção, REsp 1008343/SP, Rel. Min. Luiz Fux, j. 9.12.2009). O Município do Natal, por exemplo, prevê a compensação no art. 17-A, de seu Código Tributário, e, de forma restrita, o Estado do Rio Grande do Norte, na Lei 10.643/20 (regulamentando dispositivo do ADCT), e art. 162 – B, e, de forma mais ampla, no Regulamento de Processo Administrativo (Decreto estadual de n° 13.796/98).

A propósito do tema, por meio de duas recentíssimas decisões, o STF acertadamente fixou teses que buscam a enfrentar o problema da demora no pagamento de precatórios. No julgamento do RE 1205530/SP, com repercussão geral reconhecida, por decisão unânime, o STF considerou constitucional a expedição de precatório, ou RPV, para pagamento da parte incontroversa e autônoma do pronunciamento judicial, transitado em julgado, o qual não precisa mais aguardar o encerramento daquela parte que continua sob apreciação do Judiciário (STF, Plenário, RE 1205530, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 8.6.20). É possível, por exemplo, expedir o precatório quanto à parcela do benefício do INSS, ou da restituição do tributo, sobre o qual não se discute mais no processo, sem aguardar o julgamento dos itens ainda pendentes de controvérsia na Justiça. A Corte Superior também decidiu unanimemente, em sede de repercussão geral, que a cessão de crédito alimentício para terceiro não implica alteração da natureza do precatório, que continuará na relação dos precatórios alimentícios, com precedência de pagamento sobre os precatórios de natureza comum. A cessão do precatório, portanto, não modifica a sua natureza alimentícia (STF, Plenário, RE 631.537/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 22.5.20).

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